Depois que o inverno passou e a primavera chegou a
cigarra voltou a cantar. A princípio eram poucas, depois algumas
dezenas, e por último uma imensa orquestra florestal. Geralmente, ao fim
da tarde, na magia do crepúsculo a qual chamam os poetas de happy hour, os religiosos de hora do Angelus e os literatos de hora crepuscular.
É
justamente dentro desta magia que se ouve um canto misterioso,
melancólico e saudoso que a uns provoca sentimentos contraditórios,
indefinidos, parecendo um cântico de sereia ou de vozes vindas do além
de seres etéreos, convidando-nos a uma viagem pelo infinito. Talvez, o
resto de um canto sideral vindo do princípio da criação quando às
estrelas juntamente cantavam, como nos conta Jó ou talvez “anjos tocando
em harpa alguma canção de ave”. O certo é que o coração se enche de
sentimentos contraditórios, saudades de um passado já vivido ou de um
futuro remoto ainda desconhecido.
Logo no princípio da minha vida quando as sombras da tarde desciam sobre o Vale do Jequiriçá(BA),
o canto da cigarra era para mim uma advertência lembrando-me de que já
era hora de deixar a brincadeira e ir para a casa. Então, ficava postado
em pé junto ao rio. Vinha, então, da mata que ficara do outro lado, um
som prolongado e saudoso que começava por: ‘se, se, se...’, era a cigarra anunciando o fim do dia. E, eu perguntava:
- Que se se é este cigarra?
- E ela respondia:
- Se você não for logo para casa para tomar banho, provavelmente, vai levar um puxão de orelhas. E
eu corria para casa enquanto “lá no alto o sino da capela tocava as
badaladas da Ave Maria e a lua nascia por detrás da serra anunciando que
acabou o dia”.
Mais tarde nos anos juvenis no planalto jaguaquarense
eu saia da banca do colégio e depois de refrescado com um parcimonioso
banho ia dar uma volta pelo campo de futebol, então a cigarra começava o
seu canto prolongado e profundo diferente das cigarras do Vale do Jequiriçá. Canto que suscitava saudades do povo da minha terra. Então, mergulhava em meus pensamentos e ouvia o orfeão cantando As férias: “Após um ano de lutas insanas mui esperadas as férias são com alegrias e felicidades, êi-las chegando então” (As férias – Stela c. Dubois)”.
Batia
a saudade do colégio e dos colegas que logo estariam deixando o Taylor
Egídio e a magia daquele canto ia despertando o coração. Olhava o céu e
associava o canto etéreo da cigarra ao brilho doirado do crepúsculo. O
pensamento agora se transportava para o coral da Igreja do colégio que
cantava os versos de minha professora de música: “olhando o céu doirado
em rósea luz Minh‘alma
inteira adora a Ti, Jesus. Maior que o triste pecar é Seu amor sublime e
singular que trouxe aos homens a eterna salvação” (Louvores Eternais –
S. C. Dubois).
Nesta hora eu mergulhava na mais profunda adoração e só era despertado pelo toque da campanhia
do refeitório convidando-nos para a última refeição do dia. Lá embaixo
no vale algumas casas brancas pontilhavam o verde esmaecido da caatinga
cinzenta que as sombras da noite logo se incumbiriam de apagá-los
totalmente.
Afinal, parecia que transmitia-nos uma mensagem inacabada que começava dizendo:
- Se... se... se... E nunca concluia a frase. Talvez
quezessem transmitir-nos uma mensagem do criador:
“-Se fizerdes o que Eu vos mando, verdadeiramente sereis meus discipulos” (João 15);
“- Se quiserdes e ouvirdes, comereis o bem desta terra” ( Isaías 1.19);
“- Se vós estiverdes em Mim e as Minhas palavras estiverem em vós pedireis o que quiserdes e vos será feito” (João 15.7);
“- Se amardes uns aos outros verdadeiramente sereis meus discípulos (Jesus)” (João 13.35);
E a voz da cigarra prossegue: Se... se... se... . Esse ‘se’ talvez seja também uma interpretação dos anelos da criatura regenerada:
“Ah!... se eu tivesse mil vozes para o Universo encher com louvores de Cristo que singular prazer!”, “Se
eu puder cantar toda glória que brilha no meu coração... Pudesse contar
do meu Mestre e o mundo prestasse atenção, correria até a cidade,
chegaria até o sertão, contando os ensinos de Cristo do Seu grande amor e
perdão!”.
Continua as palavras da criatura:
“- Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rom. 8.31).
“- Se O negarmos, Ele também nos negará; se, porém, formos infiéis, Ele continuará fiel, pois, não pode negar-se a Si mesmo” (2 Tm 2.13);
“-
Se andarmos na luz como Ele na luz está, temos comunhão uns com os
outros e o sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo o
pecado” (I João 1.7).
E a cigarra cantava o seu canto indefinido: “- Se... se.. se...”, trazendo-nos ainda mais algumas mensagens do Criador:
“- Se fordes misericordiosos, alcançareis misericórdia” (Mat. 5.7);
“- Se fordes pacificadores sereis chamados filhos de Deus” ( Mat. 5.9 );
“- Se fordes mansos, herdareis a terra “(Mat. 5.5);
“- Se fordes limpos de coração vereis a Deus” (Mat. 5.8);
“-
Se o meu povo, que se chama pelo Meu nome, se humilhar e orar e buscar a
minha face e se converter dos seus pecados eu sararei a sua terra” (II
Cron. 7.14);
“- Se me buscardes de todo o coração achar-me-eis” (Jer. 29.13);
“- Se alguém ouvir a Minha voz e abrir a porta Eu entrarei em sua casa e com ele cearei e ele comigo” (Apc. 3.20);
“Se alguém tem ouvidos para ouvir ouça” (Apoc.3.22).
“- Se creres verás a glória de Deus” (João 11.40);
E assim, o cântico da cigarra vai nos advertindo de que a verdadeira felicidade para ser alcançada depende de alguma condição: Se...Se...Se...
- E a cigarra cantava até as luzes do dia se apagarem totalmente.
- E a cigarra cantava até as luzes do dia se apagarem totalmente.
Pr. Rosivaldo de Araújo.